Amor!
Sentimo-nos pequenos diante desta pequena palavra e sua pluralidade de
significações. Rios de tinta, em verso e prosa, já se gastaram tentando
envolve-la (o referente): à luz da lua e das estrelas, não é? Sentimento
contraditório, antitético, ambíguo, paradoxal (o referido), que bate duro na
nossa consciência, mandando ao inferno toda a laboriosa racionalidade que
tentamos imprimir às nossas vidas: e que venha a dor do amor. Inevitável.
Aliás, o amor é o ponto fulcral em qualquer tentativa de análise da complexa
natureza humana.
Bem, tais
reflexões nasceram de um encontro que tive com um velho amigo: viúvo, cinquenta
anos, boa pessoa. Pois é, contou-me sua história: envolveu-se com uma estudante
de 23 anos que o colocou a rever todos seus velhos valores. Creiam que eu conto
a coisa com a maior isenção, apesar de abster-me do discurso direto. Amor
brutal destes que botam a gente insone, anoréxico, desorientado. Todos já, pelo
menos uma vez na vida, experimentaram o veneno, mas aos cinquenta a coisa beira
ao ridículo. E, disse-me ele, que se fez uma relação daquelas em que os
envolvidos não se aceitam, mas não se largam: ciúme crônico de ambos os lados;
intervenção dos familiares com baixarias homéricas e vexames públicos. Mas a
relação se sustentou, apesar de tudo, por mais de um ano. Estavam lá a
comemorar os quatorze meses quando ele a pega numa dessas salas de bate-papo da internet. Na verdade, eu não sou bom
para falar dessas novidades. Bem, o meu amigo ficou escandalizado com o nível
da conversa que a sua namorada mantinha no referido espaço virtual com um gajo
desconhecido. Bem, se fosse conhecido não mudaria muito a situação. A moça não
procurou esconder nada e reagiu com espanto ao desagravo dele. E o conflito
estendeu-se à concepção de amor, abrindo um enorme abismo entre o casal.
Separaram-se.
Era definitivo. Encontrei-me com ele, aliás, quando batia nesta tecla,
inconformado: a concepção de amor. Davi, gritava-me ele, “o que é o amor? Quais
os limites do amor?” E todas as tentativas que me vinham de abordar o problema
tornavam-se inócuas, vazias, circunstanciais. Bem, tenho praticamente a mesma
idade que o meu desgraçado amigo e o que se insinuou foi a certeza de um
anacronismo cruel. Não havia como acalmar-lhe, pois, o espírito já que eu
padecia da mesma perplexidade. Mas como sair de cena? Os tempos mudaram
drasticamente. Novas palavras foram assimiladas pelo dicionário amoroso: a amizade colorida, o ficar, o sexo ocasional etc. O sentimento duradouro apequenou-se em contato
físico simplesmente ou chegamos a um estágio de desligamento de ambos? Ele se riu
então tentando disfarçar a dor que escapava discreta, dos olhos. E contou-me
que ela havia ligado, delicada, amorosa, dizendo-lhe que o amava muito: “com os
outros era apenas sexo”. Ela disse exatamente com estas palavras. Engoliu seco.
Silêncio. Risos. Silêncio. Exclamação: meu Deus!
Se
agora a minha narração torna a situação engraçada, ridícula mesmo, ali, naquele
banco no shopping center diante de
tanta cor, consumo senti-me estúpido e anacrônico. Um sentimento fundo de
solidão e tragédia. Mas não deveria ser eu a estar sofrendo. “Vamos tomar um
café”, finalmente ele quebrou o clima que se fazia tenso.
O café, apesar
daquela xícara redondinha que engana a quantidade, era mesmo café, tinha gosto
de café. Se fosse naqueles copinhos de dose que se serve nos bares seria melhor,
mas eu agarrei a xicrinha, desajeitado, e quis me afeiçoar a ela como quem
resiste, num último desejo de adaptação. Ele se riu muito como se adivinhasse o
que me ia pela alma. Agora sei que entendia tudo, muito melhor do que eu.
Acompanhei-o, por fim, até o carro e fui a pé para casa, como sempre. Que
diabo, a namorada era dele e não minha, mas o estrago estava feito e,
estranhamente, eu havia queimado os dedos.
Encontrei-o
poucos dias depois, passeando com a referida namorada, de mãos dadas. Sorria.
Cumprimentei-o, mas ele não me viu.
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