quarta-feira, 2 de março de 2016

VIDA

Este poema veio à luz a partir da conversa que tive, pelo facebook, na noite de primeiro de março (ontem), com Barbara Nunes, sem que, no entanto, nada dos arroubos do eu-lírico tenha a ver, necessariamente, com ela, no que se refere ao dramático, mas tudo a ver no que se refere ao trágico. Dizendo de outra forma, ela me emprestou uma experiência que está subjacente a situação dramática que eu criei. 


VIDA
(à Barbara Nunes)

I
Ainda olhou-me profundamente antes de sair
De mãos vazias,
mas levou consigo alguma coisa de tal forma que
todos os objetos da pequena sala
olharam-me com grande reprovação.
O relógio de parede gritava-me um comunicado urgentíssimo
a tal ponto que as horas
tomaram um sentido de segunda ordem,
em favor à mera existência mecânica.
Afundei-me na poltrona que se tornou enorme
e abraçou-me com força crescente
num lento estrangulamento.

II
A sorte lhe foi madrasta, afinal.
Trazia um sentido claro das coisas e da vida.
Tinha medo de ser feliz e não saber.
Vivia e sofria
revel a aceitação contraditória.

O amor!?
Não o viveu impunemente
como o fazem os fracos de inteligência e
os pobres de espírito.
Não o viveu com egoísmo ou com negligência.
Deu-se de corpo e alma
a ponto de esquecer-se.

Os referenciais estúpidos da sociedade
não tiveram sobre ela efeito algum.
Fiel àquele sentimento primeiro
que gritava dentro de si.

Toda poesia se esfacelava diante dela.
Poesia viva,
ela própria
que não carecia de palavras.

A palavra, porém,
por mais que perdesse o vigor diante dela
é-lhe de um valor terrível,
de vida e de
morte.

Sua vida, sim, tem sentido.
Sua vida dá sentido à vida.
Sua morte, um dia, será um acontecimento
e aqueles que a conheceram, como eu
acordarão diferentes
só de imaginar a sua ausência.

III
O quarto escuro e o silêncio,
meu coração e o silêncio...
O vento agitando as folhas das árvores, levemente...
O primeiro pássaro, na primeira madrugada...
Um cão ao longe,
ao longe um grito,
longe, muito longe.

A água escapando da torneira
envolvendo delicadamente a mão que a busca e que a leva ao rosto
será outra.
Será outro
o rosto que se dá ao espelho,
como um enigma decifrado.
A luz que entrará pela janela
será de um sol estranho
e as coisas todas que a receberão
refletirão está luz cortante
só de pensar na sua ausência.

IV
Choraria longamente
do flagelo irreparável
da sua falta
se não houvesse descoberto,
de repente,
a Vida.

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