quinta-feira, 10 de março de 2016

O MURO

Parou de súbito. Já vinha, aliás, a passo lento. Buscou o banco providencial e recostou-se, porque a meditação exigia conforto. Do outro lado da rua, um muro, quebrado, sujo... Era somente um muro velho que escondia um terreno ocupado pelo mato. Bem, ele supôs que o terreno estava vazio e o mato crescia lá dentro.
Três anos havia se passado. Fora em setembro em que esteve em São Paulo, ainda casado. Ela, de branco naquela tarde entrou numa exposição de quadro, carregando-o a reboque. “Vernissage”, ela disse. “Vernissage”, ele repetiu tentando demonstrar algum interesse, mas o tédio não o deixava. A coisa se agravou quando ela se demorou por demais olhando um quadro que lhe parecia absolutamente insignificante. “O que você vê”, perguntou ela. Ele sorriu amarelo e não respondeu. Meu Deus, que sentido havia naquilo tudo? Tinha pressa de se livrar daquilo. “Mas o que você sente?” insistiu ela. Ele continuou sem responder. Tentava ver se havia onde tomar um café na instalação daquele prédio antigo. Ela segurou-o pelo braço e havia súplica nos seus olhos. Ele então teve de responder e foi uma resposta bem significativa de tudo que ele sentia. Não sentia nada, na verdade. “Veja”, disse ele, “trata-se de um borrão cinza num fundo branco”.
Ela continuou andando sem se preocupar mais com ele.
– O que foi que eu disse?
– Não foi o quê, foi como.
– Ninguém é obrigado a se deliciar com abstrações.
            O muro velho estava ali, escondendo o terreno baldio. Nos fundos do terreno, um prédio corpulento e relativamente baixo para os padrões da cidade. À direita e à esquerda do prédio construções novas, de cores claras. O que estava fazendo aquele muro velho ali? Por que ainda não o derrubaram?
            Ela, toda de branco... A pele muito clara, também... Os cabelos claros...
            As pessoas passavam indiferentes ao velho muro, mas ele estava ali: estranho, até grotesco. Um menino carregava uma bola e quando estava diante dele, pôs-se a chutá-la contra o muro e ele a devolvia. Dez, quinze metros de pura diversão. E o menino, percorrido o espaço do muro, tomou a bola novamente nas mãos e, novamente, se fez sério.
            Um catador de latinhas recostou-se nele. Decerto não se atreveria a ficar diante das construções novas, mas o muro o protegia. Não deveria haver catadores de latinhas, sujos, a perambular pela cidade, como aquele muro era uma aberração arquitetônica. Um outro mendigo aproximou-se, tinha uma garrafa nas mãos, embrulhada em um saco de papel. Olhando bem, via-se que a calçada na região do velho muro estava mais suja, e havia rachaduras no cimento.
            Curioso que haviam colocado um banco diante do velho muro, no outro lado da rua. E o seu pensamento voltou-se para o vernissage. Lembrou-se que a perdera por alguns minutos e quando a encontrou novamente ela disfarçava uma lágrima. As mulheres são muito sensíveis. Não deu muita importância para a situação, porque, certamente a noite, o cinema, ou o teatro, a animaria. E não pensou mais no assunto. Pensava agora, três anos depois, diante do velho muro. Bem, ela deveria apreciar aquela paisagem, já que ficava procurando a significação das coisas.
            Levantou-se devagar, atravessou a rua sem pressa, e parou em frente ao velho muro. Os mendigos já se tinham ido, senão conversaria com eles, irmanados pela solidão, os abraçaria, talvez.
E, por um instante, viu-a caminhando diante do velho muro, toda de branco, ela muito branca também, os cabelos claros. Insistiu na miragem, saboreou a saudade, e ela desapareceu depois diante às construções novas e claras, como um borrão cinza sob um fundo branco.
Chorou.

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