Parou de
súbito. Já vinha, aliás, a passo lento. Buscou o banco providencial e
recostou-se, porque a meditação exigia conforto. Do outro lado da rua, um muro,
quebrado, sujo... Era somente um muro velho que escondia um terreno ocupado pelo
mato. Bem, ele supôs que o terreno estava vazio e o mato crescia lá dentro.
Três anos
havia se passado. Fora em setembro em que esteve em São Paulo, ainda casado. Ela,
de branco naquela tarde entrou numa exposição de quadro, carregando-o a
reboque. “Vernissage”, ela disse. “Vernissage”, ele repetiu tentando demonstrar
algum interesse, mas o tédio não o deixava. A coisa se agravou quando ela se
demorou por demais olhando um quadro que lhe parecia absolutamente
insignificante. “O que você vê”, perguntou ela. Ele sorriu amarelo e não
respondeu. Meu Deus, que sentido havia naquilo tudo? Tinha pressa de se livrar
daquilo. “Mas o que você sente?” insistiu ela. Ele continuou sem responder.
Tentava ver se havia onde tomar um café na instalação daquele prédio antigo.
Ela segurou-o pelo braço e havia súplica nos seus olhos. Ele então teve de
responder e foi uma resposta bem significativa de tudo que ele sentia. Não
sentia nada, na verdade. “Veja”, disse ele, “trata-se de um borrão cinza num fundo
branco”.
Ela continuou andando sem se
preocupar mais com ele.
– O que foi que eu disse?
– Não foi o quê, foi como.
– Ninguém é obrigado a se
deliciar com abstrações.
O
muro velho estava ali, escondendo o terreno baldio. Nos fundos do terreno, um
prédio corpulento e relativamente baixo para os padrões da cidade. À direita e
à esquerda do prédio construções novas, de cores claras. O que estava fazendo
aquele muro velho ali? Por que ainda não o derrubaram?
Ela,
toda de branco... A pele muito clara, também... Os cabelos claros...
As
pessoas passavam indiferentes ao velho muro, mas ele estava ali: estranho, até
grotesco. Um menino carregava uma bola e quando estava diante dele, pôs-se a
chutá-la contra o muro e ele a devolvia. Dez, quinze metros de pura diversão. E
o menino, percorrido o espaço do muro, tomou a bola novamente nas mãos e,
novamente, se fez sério.
Um
catador de latinhas recostou-se nele. Decerto não se atreveria a ficar diante
das construções novas, mas o muro o protegia. Não deveria haver catadores de
latinhas, sujos, a perambular pela cidade, como aquele muro era uma aberração
arquitetônica. Um outro mendigo aproximou-se, tinha uma garrafa nas mãos,
embrulhada em um saco de papel. Olhando bem, via-se que a calçada na região do
velho muro estava mais suja, e havia rachaduras no cimento.
Curioso
que haviam colocado um banco diante do velho muro, no outro lado da rua. E o
seu pensamento voltou-se para o vernissage. Lembrou-se que a perdera por alguns
minutos e quando a encontrou novamente ela disfarçava uma lágrima. As mulheres
são muito sensíveis. Não deu muita importância para a situação, porque,
certamente a noite, o cinema, ou o teatro, a animaria. E não pensou mais no
assunto. Pensava agora, três anos depois, diante do velho muro. Bem, ela
deveria apreciar aquela paisagem, já que ficava procurando a significação das
coisas.
Levantou-se
devagar, atravessou a rua sem pressa, e parou em frente ao velho muro. Os
mendigos já se tinham ido, senão conversaria com eles, irmanados pela solidão,
os abraçaria, talvez.
E, por um
instante, viu-a caminhando diante do velho muro, toda de branco, ela muito
branca também, os cabelos claros. Insistiu na miragem, saboreou a saudade, e
ela desapareceu depois diante às construções novas e claras, como um borrão
cinza sob um fundo branco.
Chorou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário